Mario Cesar Flores

Nas pesquisas de opinião as forças armadas são bem hierarquizadas no quesito confiabilidade. Entretanto, trata-se de confiabilidade relacionada mais à correção ética num universo público visto como venal do que como instrumento de defesa, preocupação ausente. Praticamente não existe no Brasil interesse político e societário pela defesa nacional.
A Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada em dezembro de 2008, é um documento abrangente, aberto ao conhecimento público, sobre a defesa em seus vários aspectos interativos, militares e civis. Pode e deve ser aperfeiçoada – como certamente será -, mas já é um passo positivo, despercebido pela opinião pública e pelo universo político. Vigente há mais de dois anos, qual foi até agora a sua repercussão no Congresso Nacional? Não houve, ao menos em nível que chamasse a atenção da mídia e, por intermédio da mídia, provocasse a da sociedade, em particular, da intelligentzia nacional.
Essa apatia preocupa, porque numa democracia a construção de poder militar eficiente, em coerência com o País e sua inserção internacional, não é viável na contramão do sentimento nacional, principalmente de sua representação política. Depende da aceitação política e societária de que fraqueza, pacifismo autista e jurisdicismo utópico não são virtudes absolutas, não garantem em quaisquer circunstâncias o progresso em tranquilidade.
A falta de interesse decorre de quatro razões.
Primeira: o preconceito gerado pelas interveniências militares na vida nacional, tema superado, mas ainda influente em segmentos do sectarismo anacrônico.
Segunda: no sistema militar não há espaço para a cultura clientelista e patrimonialista – o que reduz ainda mais o já precário interesse dos políticos brasileiros pautado nessa cultura.
Terceira: a defesa nacional não gera votos, tanto assim que na discussão política o tema militar praticamente se limita ao que afeta o humor eleitoral corporativo (salário, por exemplo).
E quarta: a mais que centenária ausência de ameaça clássica em que o Brasil tivesse vivido papel protagônico ou ao menos significativo (na 2.ª Guerra Mundial fomos atores coadjuvantes). Depois de Rio Branco, que via espaço para o poder militar, a política brasileira não o tem enfatizado – propensão insegura no incerto maior prazo, porque poder militar moderno não se improvisa ao se manifestar sua necessidade. Solução emergencial ao estilo “voluntários da Pátria” mal armados e mal preparados, da Guerra do Paraguai, seria hoje catastrófica; lembremos a esse respeito nosso despreparo na entrada na 2.ª Guerra Mundial, que compulsou à dependência tutelar dos EUA. Curiosamente, o ministro do Exterior não está explicitado no rol de ministros responsáveis pela formulação da END; a ser real a ausência, é, no mínimo, instigante!
O sentido desta última razão está sintetizado no final dessa frase de professor universitário, proferida com tranquila convicção no coffee break de seminário numa universidade: “Realmente os militares ganham pouco, mas por que pagar-lhes mais se não precisamos deles?”! Remuneração à parte, sem espaço neste artigo, a afirmação “não precisamos deles” é preocupante.
Sintoma emblemático do descaso: na votação do Orçamento a outorga ou a negação de recursos independem de seus efeitos na defesa nacional. Não se pode pretender do Congresso atenção detalhada, mas os recursos são concedidos ou negados à revelia daqueles efeitos, embora na democracia o Congresso também seja responsável pela defesa.
Na conciliação do preparo militar com as limitações orçamentárias – compreensíveis, errado é atuarem no bojo da apatia refletida no corte abstrato, tanto na tramitação congressual como na liberação pelo Executivo -, o orçamento da defesa precisa ser estruturado com a visão que assegure continuidade aos projetos prioritários, em geral longos e caros. Esse quesito não tem sido atendido, exigindo ajustagens que tumultuam o preparo militar e prejudicam o desenvolvimento tecnológico de interesse da defesa e a continuidade da indústria de defesa, insustentável sem demanda segura.
Não havendo trauma de risco que a precipite dramaticamente, a elevação da sensibilidade nacional sobre defesa é processo cultural que se estenderá por longo tempo. O processo deve esclarecer por que, como e quanto a dimensão estratégica do poder continua atuante no século 21, deve contextualizar a segurança do Brasil na sua região e no mundo, sem arroubos ufanistas, mas também sem escapismos utópicos como se o mundo vivesse a paz kantiana, embora Hobbes continue vivo nele…
Na medida em que ocorra a elevação, a defesa nacional passará a assunto de mérito, vista com responsabilidade e menos sujeita a mudanças radicais com as eleições porque é assunto de Estado, transcende os governos. Será resgatada da apatia e exercerá seu papel de respaldo ao progresso em tranquilidade e à interação do Brasil com o mundo, cujas turbulências pedem atenção, sem exageros, mas prudente.
Voltando à END: embora de fato um primeiro passo positivo, falta-lhe o aval do sentimento nacional, dependente do interesse político e societário pela defesa, sobretudo do político, hoje em claro déficit. A configuração do sistema militar é problema profissional, interno ao Ministério da Defesa, mas sua moldura é política. A dúvida que permeia as agendas nacionais dos países relevantes em todo o mundo, sobre o sistema militar que responde às vulnerabilidades e aos interesses do País nas circunstâncias do século 21, não terá resposta consistente sem aquele aval.
ALMIRANTE DE ESQUADRA(REFORMADO)
FONTE: O Estado de São Paulo, via Blog Naval
OPINIÃO DO EDITOR:
Texto extremamente claro, onde o Almirante Mario Cesar Flores exprime com toda obviedade os dilemas de nossa sociedade quando o assunto em questão se trata de Defesa, Forças Armadas, Política e Segurança.
Infelizmente nossa sociedade não se preocupa com assuntos tão delicados, e não vê a curto, médio ou longo prazo nenhuma espécie de ameaça ao nosso País, o que causa um sentimento de segurança ilusório na população, além do pensamento de que qualquer espécie de investimento na Defesa Brasileira se trata de desperdício de recursos.
A maioria acredita que gastos com Defesa são dispensáveis, pois como não vêem ameaças no horizonte imaginam que os investimentos necessários devem ser destinados a alguma outra área com carências mais urgentes , acreditando cegamente quando a classe governante alega serem necessários cortes orçamentários destinados às três Forças utilizando-se do argumento estapafúrdio de não haver recursos suficientes para investimento em setores onde as prioridades não seguem a política populista ora vigente.
Diante de tantas mazelas e dificuldades que a população e a nação tem que enfrentar diariamente, afirmo categoricamente, sem medo algum de estar sendo irresponsável, que recursos há, porém a falta de gestão responsável e os juros abusivos pagos hoje pelo Governo para rolagem de sua dívida acabam inviabilizando ou postergando qualquer investimento mais profundo em Defesa, Ciência e Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento, atingindo também, porém em menor escala os setores de saúde, educação básica e segurança interna ( Polícias Estaduais e Federal ). Lembremos porém que as verbas destinadas às "Políticas Sociais" como por exemplo o Bolsa Família não sofrerão cortes, pois são vitais ao projeto de poder dos atuais governantes, criando verdadeiros currais eleitorais, principalmente na Região Nordeste.
A Estratégia Nacional de Defesa ( END ) não é viável a curto prazo, mas, poderia se transformar num excelente balizador para uma política real e interessada em construir Forças Armadas profissionais minimamente operacionais, gerando uma capacidade de segurança mais voltada para as ameaças atuais, claro que sofrendo algumas alterações em suas diretrizes.
Isto é apenas uma demonstração do que sem investimentos pesados e contínuos em educação, nunca criaremos em nossa sociedade um verdadeiro sentimento de nacionalidade, diria de brasilidade mesmo, fazendo com que a sociedade passe a se preocupar, cobrar e exigir que seus governantes realmente assumam responsabilidades para com o País, e que o sentimento de Nação e Estado seja maior do que qualquer política de governo implantada pelos dirigentes de ocasião.
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